sábado, 1 de novembro de 2008

CARTA DE CUIABÁ!... (2a. Parte - Continuação).


APRESENTAM as seguintes proposições:

1 A Defensoria Pública como instrumento de efetivação de Direitos Humanos
Negar o acesso integral à justiça, em razão de discriminação econômica, configura violação de Direitos Humanos, conforme princípios consagrados nos Tratados Internacionais assinados e ratificados pelo Estado Brasileiro.
O acesso ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos pelos Defensores Públicos, nos casos concretos de violações desses Direitos, deve observar as condições de admissibilidade das representações, em especial o prévio acionamento do sistema interno de defesa dos Direitos Humanos.
É imperativo constitucional, legal e ético, o Estado garantir ao cidadão instrumentos de acesso à justiça e defesa tão eficientes quanto os de acusação e repressão (princípio da paridade de armas). É imprescindível o fortalecimento de uma atuação estratégica institucional para a promoção, defesa e efetivação dos Direitos Humanos nas redes e fóruns de integração entre os Defensores Públicos de todas as Américas.
A política de atuação da Defensoria Pública em defesa dos Direitos Humanos deve incluir a Educação para a Cidadania.
Assim, para consolidação da Defensoria Pública como instrumento de efetivação de Direitos Humanos, é fundamental a criação, estruturação e fortalecimento de Núcleos de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, e da Escola Superior da Defensoria Pública.

2 Reformas processuais penais
Os Defensores Públicos devem sempre buscar garantir a mais ampla defesa aos acusados mesmo diante das alterações que, na busca de celeridade, possam limitar ou impedir o exercício da mesma. Os Defensores Públicos devem fazer valer o direito de entrevista pessoal e reservada com o acusado antes da defesa preliminar e do interrogatório.

A Defensoria Pública deve fazer-se presente em todas as discussões para elaboração de leis que alterem dispositivos do Código de Processo Penal, do Código Penal, e de leis especiais, no âmbito do Ministério da Justiça ou do Congresso Nacional.

3 Instrumentos de regularização fundiária no Estatuto das Cidades
Os instrumentos de ampliação da tutela jurisdicional que visam à proteção da posse e à regularização fundiária estão diretamente atrelados ao princípio da universalização dos direitos e aos avanços de novos paradigmas de acesso à Justiça.

A Defensoria Pública tem legitimação para a propositura de ações civis públicas e ações coletivas de usucapião para a defesa da ordem urbanística e tutela do direito de moradia, respaldada pelo Estatuto das Cidades.

A Defensoria Pública deve atuar em parceria com os diversos atores envolvidos na questão fundiária, com a finalidade de desenvolver projetos, programas e políticas públicas de desenvolvimento urbano, garantindo-se a efetividade do direito à moradia, com fundamento na dignidade humana, através dos instrumentos jurídicos previstos no Estatuto das Cidades, sendo fundamental a criação de núcleos especializados.

A Defensoria Pública deve fazer-se presente em todas as discussões para elaboração de leis que envolvam a questão fundiária, em especial o projeto que altera a Lei de Parcelamento do Solo Urbano.
4 Acesso integral à justiça no sistema carcerário

A carência de atuação da Defensoria Pública dentro do sistema carcerário, contribui para a problemática da superpopulação, o que influencia diretamente nas questões de segurança pública nos Estados;

A previsão de assistência jurídica integral aos presos através da Defensoria Pública deverá ser defendida no Projeto de Lei 1090/2007, excluindo-se a expressão “preferencialmente” inserida por emenda, bem como deverá ser garantida a inclusão da Defensoria Pública como órgão da execução penal.
Os Defensores Públicos, pela natureza de sua função institucional, deverão zelar pela aplicação do Direito Penal Mínimo, em contraponto à crescente tendência de encrudescimento da justiça criminal, fomentada pela sociedade marcada pela violência.
Os convênios celebrados entre as Defensorias Públicas e os Governos Estaduais e Federal, através de programas como PRONASCI, devem ser fomentados, de forma a minimizar o problema da falta de estrutura e permitir uma maior atuação dos Defensores Públicos no sistema prisional.
5 Legitimidade da Defensoria Pública nas ações coletivas.
A legitimidade da Defensoria Pública nas ações coletivas se coaduna com as novas perspectivas e paradigmas de acesso à justiça, coíbe o surgimento de inúmeros processos repetitivos, contribui para economia processual, reduz gastos públicos, além de evitar decisões conflitantes.
A legitimidade da Defensoria Pública nas ações coletivas acaba por fortalecer a resolução extrajudicial dos conflitos, servindo como instrumento público e político de pacificação social.
A legitimidade parcial da Defensoria Pública nas ações coletivas, ou seja, apenas nas situações que envolvam hipossuficientes, levaria à propositura de outras ações coletivas pelos demais legitimados, frustrando o objetivo de evitar a geração de processos repetitivos, e de decisões conflitantes.
A legitimidade nas ações coletivas aproxima a Defensoria Publica dos segmentos civis organizados.
Dada a importância das ações coletivas para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos hipossuficientes, deve haver, periodicamente, encontros dos Defensores Públicos de todo o país que atuam em ações coletivas, para troca de experiências e discussão de estratégias comuns.
6 Aspectos processuais da Lei Maria da Penha
À Defensoria Pública cabe zelar pela garantia do procedimento diferenciado à mulher que se afirme vítima de violência doméstica ou familiar, para a obtenção de medidas protetivas.
Conscientes de que nenhum direito fundamental é absoluto, os Defensores Públicos, atuando como agentes de transformação social, devem observar a adequação, necessidade e proporcionalidade das medidas, quando estiverem em conflito valores relevantes como a liberdade do ofensor e o direito à vida e à integridade física da vítima.
É fundamental promover a sensibilização e a capacitação dos Defensores Públicos na perspectiva de incorporarem a visão sistêmica da Lei Maria da Penha, bem como pugnar pela criação, em todos os Estados da Federação, dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com equipes multidisciplinares para atendimento da mulher em situação de violência.
Deve ser incentivada a integração da Defensoria Pública na rede de enfrentamento da violência contra a mulher, através de parcerias com o CREAS, Conselhos da Mulher, Delegacias da Mulher, sociedade civil organizada etc., priorizando o atendimento da mulher de forma integrada.
A Defensoria Pública deve fomentar estratégias que assegurem cuidado especializado aos agressores, nos casos de violência doméstica contra a mulher.
7 Constitucionalização do Direito Civil
É imprescindível o reconhecimento da imperatividade dos direitos fundamentais nas relações inter-privadas, ou seja, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
O movimento de constitucionalização do direito civil é um novo paradigma, não só das relações privadas, mas para o próprio acesso à Justiça, garantindo a proteção da dignidade humana.
Faz-se necessário provocar no âmbito da Defensoria Pública, de forma massificada, o reconhecimento e a aplicação dos direitos fundamentais, incorporando a constitucionalização do direito civil à nossa prática.
A Defensoria Pública deve fomentar a identificação dos casos difíceis provocando a ponderação dos princípios constitucionais.
A Defensoria Pública e as Associações de classe devem promover anualmente grandes campanhas nacionais com a escolha democrática de tema que favoreça a transformação social.
8 Meios alternativos de resolução de conflitos: restaurativo, comunitário e coletivo
A Justiça Restaurativa emerge como alternativa ao sistema tradicional de Justiça Criminal, no intuito de alcançar a pacificação social entre todos os envolvidos.
O papel da Defensoria Pública é de fundamental importância no fomento da prática da Justiça Restaurativa, em todas as unidades federativas, a fim de proporcionar e viabilizar a solução dos conflitos individuais e coletivos.
O projeto de justiça comunitária tem o objetivo de proporcionar aos envolvidos o resgate da própria cidadania, e deve ser incentivado no âmbito da Defensoria Pública.
9 Perspectivas político-institucionais da Defensoria Pública
O crescimento da Defensoria Pública deve garantir à população a participação qualitativa no espaço público representado pela política de acesso à justiça.
A Defensoria Pública deve participar dos movimentos sociais como meio de gerar a democratização da política de acesso à justiça. Aos movimentos sociais deve ser garantido o espaço de levar seus pleitos à Defensoria Pública.
Os Defensores Públicos devem estar presentes no processo de identificação dos novos direitos que emergem das demandas dos movimentos sociais.
Os Defensores Públicos devem incrementar e fortalecer o movimento pela criação da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

10 Concursos de teses

O concurso de teses é o momento de reflexão e fomento da produção científica sobre Defensoria Pública. Assim, o VIII Congresso Nacional dos Defensores Públicos deverá possibilitar duas categorias para apresentação de trabalhos: concurso de teses e estudo de caso e/ou experiências, com o incentivo institucional ou associativo para garantir a efetiva participação dos Defensores Públicos classificados.
Conclusão
E por serem estas as conclusões, os Defensores Públicos e demais profissionais do direito presentes ao VII CONGRESSO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS, no dia trinta e um de outubro de 2008, aprovam a presente CARTA DE CUIABÁ, que deve servir como documento de referência para políticas institucionais da Defensoria Pública e paradigma de atuação dos Defensores Públicos, cujos conhecimentos adquiridos deverão ser aplicados nos órgãos de atuação.

Cuiabá, 31 de outubro de 2008 Defensores Pùblico Brasileiros VII Congresso Nacional dos Defensores Públicos
Veículo: ANADEP

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