sábado, 4 de dezembro de 2010

ESTA É MAIS UMA AFRONTA AO DIREITO DO CONSUMIDOR!...


ARTIGO - Fim do direito do consumidor à privacidade: Um presente de Natal do Senado.

(Claudia Lima Marques - Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutora em Direito pela Universidade de Heidelberg, Diretora do Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor.)

“No apagar das luzes, terça-feira próxima, dia 15 de dezembro de 2009, será aprovado no Senado, o Projeto de Lei (PLS) 263/2004, que modifica o Código de Defesa do Consumidor-CDC, retirando das pessoas o direito a seus “dados pessoais” de consumo, violando sua privacidade e criando um super “cadastro-positivo” para os Fornecedores e Bancos no Brasil! Isto mesmo.

Em um pais em que se compram sapatos à prestação, todas as compras que envolvam “crédito” (comprar umas cervejas no supermercado, hospedar-se em um motel e pagar com cartão do banco, que é de crédito e de débito; comprar um remédio para câncer na farmácia e pagar com cartão de crédito; renovar a sua assinatura parcelada da revista Raça) ou “financiamento” (comprar uma geladeira e pagar com o cartão de loja, autorizando o consignado em sua pensão; comprar um presentinho para a namorada e pagar com cheques pré-datados, comprar à prazo a viagem à Israel ou ao Japão para conhecer suas origens, refinanciar o débito na escola como parte dos alimentos a seu primeiro filho) imediatamente, em tempo virtual, todas as “características” de seu consumo serão armazenadas em um super banco de dados do Sistema Financeiro e dos Fornecedores em geral (SERASA,SPC, e outros).

Estes “cruzarão” os dados para traçar seu perfil e “ranquiar” este consumidor: é pobre ou rico, com uma família ou mais, saudável ou doente, branco ou preto, jovem ou idoso, descendentes de judeus ou japoneses, já tem 3 outros créditos consignados, é um risco etc.. Tudo sem nenhum limite ou qualquer autorização ou notificação ao consumidor, segundo o nosso Senado, que aprovou este PL 263 “em medida de urgência” e sem passar na Comissão de Defesa do Consumidor ou realizar sequer uma audiência pública... Porque este “silêncio”? Porque ninguém protesta contra o presente “surpresa” do Senado para os brasileiros neste Natal?

Talvez não se sabe que em nenhum lugar do mundo há um artigo semelhante ao planejado parágrafo sexto, que os Senadores introduzirão no Art. 43 do CDC, uma das poucas leis aprovada por unanimidade no Parlamento Brasileiro, e que será ferida de morte por este retrocesso-surpresa. Tudo em nome de uma improvável “redução dos juros bancários no Brasil” (como “informa” a publicidade da SERASA no aeroporto Congonhas...).

Eu que estudei na Alemanha e aprendi nas aulas de “História do Direito em tempos Nazistas”, o valor da privacidade e da informação pessoal sobre a pessoas-consumidoras (e o poder que detém aquele que domina estes dados), posso explicar que, sob as ingênuas palavras “características” e “adimplemento” do PL 263 do Senado, esconde-se um mundo: a privacidade do indivíduo. Privacidade significa que nem mesmo o Estado está autorizado a cruzar e “compartilhar” estes dados pessoais. Significa, segundo o atual Art. 43 do CDC, que o consumidor terá direito a dano moral toda vez que um fornecedor (para vender mais!) violar este, que é um direito fundamental do cidadão brasileiro...

Sim, a Constituição Federal brasileira garante, como liberdade individual, a privacidade frente ao Estado. O Senado parece não conhecer a teoria da Drittwirkung (efeito horizontal dos direitos fundamentais entre Fornecedores e Consumidores) e acredita que este direito fundamental (mantido pelo e. Supremo Tribunal Federal na conhecida ADIN dos Bancos!) não tem relação direta com o Art. 5,XXXII da CF/1988. A Constituição atual garante que o Estado-Juiz, o Estado-Executivo e o Estado-Legislador devem “promover a defesa do consumidor” ! Como professora de Direito do Consumidor não posso deixar de me manifestar contra este PL 263 e a forma como será imposto -no silêncio do final de ano- aos brasileiros. Afinal, o Direito do Consumidor ainda é direito fundamental no Brasil e inclui uma proibição de retrocesso.

Resumindo, poderíamos chamar este presente de Natal às avessas do Senado para os consumidores brasileiros de “big brother-businness”. É um novo “grande negócio” com os dados de consumo das pessoas, pois vai monitorar toda a vida-ativa do cidadão brasileiro (“big brother”) e lucrar com a privacidade das pessoas: é business. Zygmunt Baumann afirma que as pessoas na sociedade de consumo atual estão virando mercadoria.

No Brasil, os 150 milhões de pessoas ativas de nosso mercado, que cada vez mais usam crédito para comprar produtos ou serviços que custem mais do que 50 reais, vão virar “dados”... dados valiosos deste novo “big bussiness”. Pobre consumidor brasileiro, pois este novo “big brother” será onipresente (nos shoppings, nas farmácias, nos hospitais, nas creches e escolas, nos supermercados, sempre que alguém usar um de um cartão de loja, de banco, de crédito-débito, financiar ou pagar com cheque pré-datado), sem “prêmios-milhas”, sem autorização ou dados sensíveis e sem “fama imediata da televisão” ou qualquer comunicação...

Em outras palavras, a partir de terça-feira próxima, tudo o que você fizer será arquivado e mantido por 5 anos, com acesso para “todos” os fornecedores do Brasil e voilá: parece ser o fim do direito do consumidor a seus dados de consumo e à sua privacidade!

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