sábado, 1 de maio de 2010

Pelos Direitos Humanos!...


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
- Reitoria
Debate Acadêmico:
"Direito à Memória e à Verdade".

Roberto Tadeu Vaz Curvo *

No dia 21 de dezembro de 2009, o Presidente Lula aprovou o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH -3), que se centrou em seis eixos orientadores. Cada eixo com suas respectivas diretrizes.

Podemos sacar da apresentação do PNDH-3, no discurso proferido pelo Presidente, que “ o Brasil fez uma opção definitiva pelo fortalecimento da democracia”. Não temos dúvida de que precisamos fortalecê – la, pois o simples fato de votar e ser votado é pouco para caracterizar um país como democrático.

Convivemos com uma cultura democrática débil e, ao mesmo tempo, com expressiva desigualdade social, tal coexistência se faz incompatível. Em face do exposto, vemos como alternativa para superar estas injustiças, a conscientização da sociedade em geral para a defesa e promoção incondicional dos Direitos Humanos. Neste sentido, o PNDH é um dos caminhos a ser perseguido.

Essa construção não se revela fácil. Mais que isso. Podemos perceber em seu nascedouro, a resistência injustificada por parte de alguns setores da sociedade, em especial dos defensores da ditadura.

O último dos seis eixos do PNDH-3 versa sobre o Direito à Memória e à Verdade, que estimula os seguintes questionamentos: Pode o Estado sonegar às vítimas do regime militar o direito à informação de quem foram os seus algozes e, sabendo, não puni-los? Pode o Estado ocultar o direito às famílias de enterrar os corpos de seus parentes, que foram violentados pelo regime de exceção? Pode o Estado não dar a conhecer ao povo brasileiro a verdade sobre a ditadura, no período de 1964 a 1985?

Numa resposta de pronto, e à luz dos Direitos Humanos, podemos dizer o Estado que pretende ser democrático não pode e não deve omitir à verdade. Em permanecendo a omissão no que toca a trazer a público a veracidade dos fatos ocorridos nos “porões dos calabouços”, apenas manterá a mancha de sangue na alma do povo brasileiro, que jamais será absorvida em nossa memória.

Desta forma, necessário algumas ponderações sobre a Lei da Anistia (n. 6.683/79). Aparentemente, se trata de lei que pretende assinalar o fim do longo processo ditatorial, mas que tem por fim blindar torturadores da época.

Ora, se, de um lado, são anistiados civis e militares contrários ao regime que supostamente teriam cometidos crimes políticos, por outro lado deixou de consignar a reparação civil do Estado às vítimas do regime, bem como a responsabilização criminal aos perpetradores da tortura. Não se vê, nos treze artigos da lei, nenhuma menção sobre a responsabilidade dos ordenadores e executores da tortura.

No período ditatorial imperava-se a ilegalidade e, além disso, a tortura é um ato ilegítimo. Nada a justifica eticamente em especial em um Estado signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que em seu artigo quinto proclama: “Ninguém será submetido a tortura , nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

A ilegalidade referida acima é demonstrada no artigo 153, § 14, da Constituição de 1967, que por sua vez foi reproduzido pela Emenda n. 1 de 17 de outubro de 1969, em plena ditadura. O referido artigo prescrevia: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário”. No entanto, verificaram-se as mais hediondas violações aos Direitos Humanos praticadas pelo regime de exceção.

Várias delas foram denunciadas perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, segundo Piovesan, em Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p.282/283.

Nesta linha Navi Pillay, em texto publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 28 de fevereiro de 2010, p.A3 declarou: “Os instrumentos internacionais também reconhecem o direito à reparação para as vítimas e o direito das vítimas e da sociedade de saber a verdade sobre as violações, além de buscar garantias de que tais violações não se repitam.”

Daí concluirmos que não há por que “fechar os olhos” aos lamentáveis fatos ocorridos no Brasil no período de exceção, sob pena de essas chagas não cicatrizarem da memória do povo brasileiro. Por seu turno, somente a reparação, em seu sentido amplo, livrará o Brasil, associado que está como um dos países em que mais se violam os Direitos Humanos de seu povo.

Do mesmo modo, ao devolver para sociedade brasileira o direito de saber a verdade com as suas consequências jurídicas, o Brasil estará dando importante passo para garantir que, as violações ocorridas na ditadura militar, no futuro, não se repitam. Aqui não se trata de revanchismo como alguns militares querem fazer crer, mas de restituir a todos os brasileiros o Direito à Memória e à Verdade.

Enquanto não houver luz sobre a memória desse momento da nossa história, não teremos como progredir na construção de uma cultura da democracia. Além disso, a memória é própria dos seres humanos, toda vez que dela somos privados, nos tornamos menos.

Referências:

a) PORTO. Walter Costa. Org. Constituições Brasileiras: 1967. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.

b) PIOVESAN. Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006.

c) PILLAY. Navanethem. Reconciliar-se com o passado. In: Jornal Folha de São, 2010.

d) PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (PNDH -3)/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – ed.rev. – Brasília: SEDH/PR, 2010.

Roberto Tadeu Vaz Curvo é Defensor Público de Mato Grosso.


Publicado em 26/3/2010

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